KOA em entrevista: "Quero que as pessoas sintam os meus temas"


KOA em entrevista: "Quero que as pessoas sintam os meus temas"

Cresceu a ouvir rap, pop, jazz, r&b, hip hop e música clássica. Assume-se feminista e teimosa. Escreve sobre o que sente e não tem medo de chorar. Falamos de KOA, a nova cara feminina do panorama musical.

Noite e Música: KOA é mesmo o teu nome?
KOA: Eu assumo este nome, mas não é o meu nome. Eu sempre fui tratada por KOA quando era pequena.

NM: É como uma alcunha e trouxeste-a para a música.
K: Sim, é isso.

NM: Ouves muita música clássica, jazz, rap, hip hop, que entre si não têm nada a ver.
K: Não têm, mas eu acabei por estar muito ligada à música clássica. Comecei pelas bandas sonoras dos filmes, que me marcavam. Estamos a falar de instrumentos a nível de sopro, das cordas e isso começou a fascinar-me e comecei a ouvir mais Mozart. Hoje em dia ouço muito Andre Rieu, que consegue transformar qualquer música clássica. Nos dias de hoje aquelas músicas que achamos impossível transformar e melhorar ele consegue. As bandas sonoras dos filmes ajudaram-me também a perceber que por detrás de uma música clássica há um sentimento muito forte.

NM: E eras assim quando tocavas?
K: Eu gostava muito de associar a música que estava a tocar àquilo que estava a sentir.

NM: Tocas música desde pequenina?
K: Sim. Andei em colégios desde pequenina, mas depois obrigatoriamente acabei por sair. Venho de famílias "normais" e somos 4 irmãs e não havia possibilidade de continuar nos conservatórios.

NM: Deixaste o conservatório e a música nessa altura. Como é que voltaste?
K: Eu nunca larguei a música. Os instrumentos estavam lá. Eu aprendi a tocar piano, flauta, tudo o que era de sopro. Consegui aprender de tudo quando era pequenina. No primeiro ciclo, fazia parte das aulas que eram grátis; quando faziam grupos os professores insistam para eu ir. Depois quando fomos para o liceu entrei em bandas de garagem, concertos privados e em bares e continuei até hoje. De certa maneira nunca me desliguei da música. Sempre foi a minha parceira ao longo da vida.

NM: Como é que te vais distinguir num mundo com tantos cantores e em Portugal, onde é difícil vingar?
K: Sim, é difícil, mas também sei que ainda não há dentro do género feminino muitas opções. Temos algumas variantes, como a Áurea, mas não é o mesmo género musical. Eu apostei num género diferente e em inglês, muito puxado ao estilo americano. E cá ainda não há nada assim. Sou a primeira a tentar explorar e entrar dentro da área e sei que tenho uma batalha pela frente, mas, se calhar, por ser atrevida e estar a pisar um terreno que ainda não foi pisado se calhar é por aí que as pessoas vão olhar para mim.

NM: Já começaste a ter feedback do single "Stand U"?
K: Sim. Lançámos agora o "Bit by Hook", com a participação do Jimmy P, e já me estão a pedir mais.

NM: Neste single, o Jimmy P canta em português e tu cantas em inglês.
K: Sim, não é o facto de ser portuguesa que isso me mete um rótulo de ter de cantar em português. Eu sou portuguesa mas gosto de cantar em inglês. O Jimmy P foi sempre a primeira opção, sempre acompanhei o trabalho dele e o feedback tem sido muito positivo. Já me pedem outro single e este ainda agora saiu.

NM: Tu és rapariga e no mundo da música sente-se mais apoio para o lado dos rapazes e há aquele lado comercial. O teu lado não é comercial, és rapariga e estás a pisar num terreno novo. Tens essa tripla dificuldade. Não temes ter essa dificuldade toda?
K: Exatamente. Não temo nada. Eu sempre gostei de desafios, mas também penso muito bem nas coisas. Eu quando me lanço em alguma coisa penso muito bem se quero ou não aquilo. E quando digo que quero vou atrás e ninguém me deita abaixo. Se eu acredito naquilo que estou a fazer, eu até posso ser a primeira, nunca ter havido nada e até pode haver muita critica inicialmente mas eu vou batalhar por aquilo que eu realmente acho que estamos a precisar e que pode ser uma mais-valia. E, se calhar, começar a abrir caminhos a outras raparigas que querem tentar ou já tentaram mas que, como tu dizes, há muito essa visão de que são os rapazes e isso pode intimidar-nos para não arriscarmos. Mas porque não ser a primeira a avançar e mostrar que há um caminho, mesmo que não seja o meu? Ser um incentivo para elas se aperceberem de que também podem entrar neste mundo. É grande o espaço.

NM: É grande, mas em Portugal é difícil vingar?
K: Tudo o que é artes é difícil em Portugal. Portugal ainda não tem a abertura suficiente que era suposto ter. Temos artistas tão bons mas não há quase espaço. Tentam dar um espacinho para a cultura e depois para tudo o resto. E isso é injusto.

NM: Escreves o que sentes. O que sentias quando escreveste o primeiro single?
K: O primeiro single, "Stand Up", é uma música muito feminista.

NM: Tu declaras-te feminista.
K: Feminista, mas no bom sentido. Nós não temos de nos estar sempre a submeter aquilo que está estipulado e daí eu também me querer afirmar nesta área. Nós, mulheres, devemos lutar, temos a nossa independência a nível financeiro e a nível de tudo e devemos e podemos afirmar-nos neste mundo. A música "Stand Up" retrata os dias de hoje, com eles a viverem às custas delas e ficam confortáveis com isso. Aí, as mulheres devem impor-se e não se devem deixar levar. Somos a mulher e não nos devemos vergar àquilo que a sociedade impõe.

NM: Tens algum sítio especial para escrever?
K: Por acaso tenho. Faça chuva ou sol eu tenho de estar com os olhinhos postos na praia e no mar. Posso estar dentro do carro ou num café. Mas depende da música. Se tiver de escrever uma música mais intima, que eu tenho de puxar um bocado mais de mim, aí sim. As outras músicas vão surgindo com a situação.

NM: Quando escreves essas músicas mais intimas não tens medo de te expor demasiado? Quanto mais te expões mais suscetível ficas às criticas.
K: A partir do momento que estou a escrever, sou eu que estou a escrever e aí, como é óbvio, vão-me questionar. A partir do momento que decides ser cantora já sabes que te vão criticar para o bem e para o mal. E com este trabalho que eu estou a fazer já estou a espera de receber criticas negativas. E expor aquilo que sentimos não tem mal nenhum até para as pessoas se ligarem.

NM: Queres que as pessoas que te ouvem sintam uma ligação com aquilo que tu escreves?
K: Exatamente. Eu quero que as pessoas sintam os meus temas. Não é preciso elas terem medo e terem de pensar "ai, a minha vida é tão fixe; acabei uma relação mas estou fixe". Não! Sofram; se tiverem de chorar, chorem. Eu não tenho medo de dizer às pessoas que terminei uma relação, que não me sinto bem. Eu estou aqui mesmo para mostrar o que é realmente a vida. Não é como no facebook, que metemos uma fotografia linda e a vida parece perfeita e depois vai-se a ver e a pessoa vive na solidão.

NM: Tentas ser transparente na música?
K: Exatamente! E é essa transparência que nos está a faltar nos dias de hoje. Hoje é tudo muito plástico. No meu segundo CD aposto ainda mais na transparência.

NM: Achas que é com essa transparência que vais conseguir chegar a mais pessoas?
K: Sim. Eu acho que as pessoas sentem falta disso. Hoje, as músicas retratam muito o que não existe.

NM: És muito realista naquilo que escreves?
K: Sou e acho que é isso que nos falta. Falta-nos um bocadinho de…

NM: De pés no chão?
K: Sim! A realidade está cá; não a ignorem.

NM: Quando fizeste o single com o Jimmy P, falavas do amor mas na parte física, o que corta com a conceção generalizada do amor, que as pessoas gostam de ouvir.
K: Sim. Eu sou muito frontal e gosto de mostrar às pessoas que nem tudo é perfeito como acontece nos filmes. Mas no próximo single vamos mostrar um lado mais sentimental.

NM: Que KOA queres mostrar?
K: Quero mostrar o que sou, que sou humana, que tenho os meus sentimentos, tenho as minhas fragilidades, as minhas loucuras. Mas acima de tudo quero mostrar que em tudo o que de mau existir podemos tirar algo positivo.

Entrevista: Bárbara Mota
Foto KOA: Rita Carmo