Morrissey no Coliseu dos Recreios, em Lisboa [texto + fotogaleria]


Morrissey no Coliseu dos Recreios, em Lisboa [texto + fotogaleria]

Lisboa recebeu na noite da última 2ª feira, na sua sala mais emblemática, o 1º concerto da tournée europeia de Morrissey de apresentação do álbum World Peace Is None of Your Business.

Não será indiferente lembrarmos que o disco se encontra envolto numa enorme polémica desde o seu lançamento em junho, a controvérsia entre a label Harvest/Epic e o próprio Morrissey, provou-se mesmo em palco, ficando inequívoco o sentimento com a esclarecedora mensagem ostentada nas t-shirts dos músicos do artista: "Fuck Harvest" (se dúvidas houvesse quanto ao tom da desavença, elas ficaram logo dissipadas).

Tirando este fait-diver que não é negligenciável, e focando-nos mais naquilo que aconteceu no Coliseu, e começando pelo principio de tudo, eram 21 horas quando as luzes se apagaram e é projetada num pano branco que ocupava toda a boca de palco, uma perfomance dos Ramones – sim, assim mesmo – os pioneiros da cena punk nova-iorquina faziam a abertura duma 1ª parte de concerto que verdadeiramente não existiu, mas que em registo cinematográfico iria ocupar o publico durante cerca de meia hora. A massa humana que compunha o Coliseu em grande número, é certo, mas que não o encheu, pôde ainda assistir a projeções de atuações de Brian Eno na sua fase glam, passou-se por Nico, a "femme fatale" dos Velvet Underground, e que Morrissey sempre assumiu como referencia e até Charles Aznavour, o ícone da música ligeira francesa. Para além da miscelânea totalmente 60’s e 70’s, a crítica politica e social não ficou fora deste introito, onde o ultra-liberalismo de Tatcher não foi esquecido, nem os conflitos sociais que acompanharam, as touradas, ódio de estimação de Morrissey, também não foram esquecidos.

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Esta meia hora estava a chegar ao fim e o publico a mostrar alguma impaciência, esperando o início de um concerto do homem de Manchester, que "traiu" (para alguns) a cena Indie Rock da primeira metade da década de 80 que com Johnny Marr ajudou a eclodir na cinzenta cidade industrial, para ser hoje um homem rendido ao sol de Los Angeles, mas num registo meio eremita, do qual nunca abdicou.

De certa forma, esta charneira marcará toda uma atuação que, como seria expetável, iniciou-se com "the queen is dead", a faixa que dá titulo ao álbum de 86 dos Smiths e que para muitos terá sido a melhor criação da dupla Morrissey/Marr.

Desenganem-se aqueles que julgavam que iríamos ter um alinhamento de revisitações, a partir daqui entramos na carreia a solo de Morrissey com "Speedway", do álbum Vauxhall and I de 1994, seguida de "Certain People I Know" de Your Arsenal de 1992 (esta com direito a falsa partida, com Morrissey a mandar os músicos parar e recomeçar de novo). A partir daqui entramos no novo mundo de Morrissey e, ao fim ao cabo, aquilo que o motiva a andar por este outono pela Europa, a apresentação de World Peace Is None of Your Business. "The Bullfighter Dies", é a primeira, um feroz ataque às touradas, apanágio de Morrissey e da sua luta pelo respeito dos animais. "Kiss Me a Lot", num registo muito mais intimista, seguia-se "I'm Throwing My Arms Around Paris" de 2009, sendo este apenas um breve intervalo, para conhecermos mais do novo disco, vinha agora, "World Peace Is None of Your Business", que dá titulo ao álbum e "Istanbul", num ambiente mais bucólico novamente, "Neal Cassady Drops Dead"  foi a faixa que Morrissey quis apresentar em seguida, "Earth Is the Loneliest Planet", intervalando a apresentação do novo álbum com "Trouble Loves Me" do álbum Maladjusted de 1997. Para finalizar a apresentação do novo disco, tivemos "Kick the Bride Down the Aisle, One of Our Own e I'm Not a Man", a canção mais forte e intensa e que resultou muito bem no palco do coliseu.

Morrissey terminava aqui a apresentação do seu novo disco e o próprio teria a perfeita noção que a setlist escolhida não seria a que o público mais quereria ouvir e o próprio, em tom de aviso, lembrou que o público não precisava de aplaudir cada música, só porque sim. É evidente que o respeito pela figura que levou gente de todas as gerações ao Coliseu, desde as figuras mais rigorosamente trajadas numa indumentária que respeitava o movimento nascido em Manchester em inicio dos 80’s ao mais vulgar "casual" de quem saiu do emprego e terá vindo à pressa para as Portas de Santo Antão, levou a que todos se esforçassem para assimilar World Peace Is None of Your Business e retribuir com aplausos mais ou menos sentidos, mas faltava algo mais.

Morrissey tem uma frase sarcástica por esta altura do concerto que marca aquilo que é hoje Morrissey e o seu distanciamento das origens: "we must do it", soou claramente a algo com que Morrissey já não se identificará, mas lá tocou os clássicos "Hand in Glove", o primeiro single dos Smiths de 1983 e onde as saudades pela sonoridade ímpar de Johnny Marr emergiram bruscamente. "Meat Is Murder", que dava titulo ao álbum de 1985 é acompanhado por imagens duma crueldade extrema relativamente à forma como os animais são tratados nos matadouros para a indústria alimentar (o choque das imagens é tal que a musica e perfomance dos músicos terá mesmo ficado para 2º plano). O concerto terminaria com "One Day Goodbye Will Be Farewell" do álbum Years of Refusal de 2009.

Não foi um barulho entusiasta que apelou ao regresso de Morrissey e dos seus ostensivamente inexpressivos músicos ao palco, mas lá voltaram para um encore com o clássico dos Smiths, "Asleep", que emocionou a plateia e promoveu os beijinhos da praxe e acabou com "First of the Gang to Die" do álbum mais aplaudido da carreira a solo de Morrissey, You Are the Quarry de 2004.

A seguir as luzes acendem-se e o concerto acaba, sem a sensação de que o público quisesse muito mais. Não porque as criações de Morrissey não pudessem apresentar muito mais coisas que o publico quisesse ouvir, mas por ficar a sensação de um público rendido àquilo que é hoje Morrissey, alguém que faz música para si, se calhar mais do que para o público e quem quiser ouvir aquilo que Morrissey não quer cantar tem sempre a solução de ouvir os vinis, CD e outros formatos.

Não considero Morrissey diferente aos 55 anos em termos de conteúdo do que era há 20 ou 30 anos atrás, a diferença está em que o conteúdo da mensagem, passa agora segundo uma estética mais ligeira e menos Rock’n Roll. Morrissey não é nem quer ser um frontman duma banda Indie Rock, se calhar quer ser muito mais um Aznavour, ícone da música ligeira francesa, aquele com que fomos brindados antes do concerto verdadeiramente dito, mas Morrissey mantém um recheio subversivo na mensagem, onde a monarquia continua a ser violentamente satirizada, onde a imagem da rainha de dedo indicador em riste projetada nos ecrãs de palco o provam, a sexualidade, a existência, a dignificação dos animais, tudo isso já Morrissey abordava quando tinha Manchester como sua casa e fonte de criação. A diferença resume-se a uma distinta abordagem estética, goste-se ou não das sonoridades mais hispânicas, mais ligeiras com que Morrissey se identifica hoje.

Alinhamento
1.    The Queen Is Dead
2.    Speedway
3.    Certain People I Know
4.    The Bullfighter Dies
5.    Kiss Me a Lot
6.    I'm Throwing My Arms Around Paris
7.    World Peace Is None of Your Business
8.    Istanbul
9.    Neal Cassady Drops Dead
10.    Earth Is the Loneliest Planet
11.    Trouble Loves Me
12.    Kick the Bride Down the Aisle
13.    One of Our Own
14.    I'm Not a Man
15.    Hand in Glove
16.    Meat Is Murder
17.    One Day Goodbye Will Be Farewell
Encore
18.    Asleep
19.    First of the Gang to Die

Fotos: João Oliveira/Oporto Agency
Texto: Pedro Manuel c/ Oporto Agency