The Happy Mess em entrevista: "A música que nós fazemos é-nos mais intuitiva em inglês"


The Happy Mess em entrevista: "A música que nós fazemos é-nos mais intuitiva em inglês"

Os The Happy Mess estão de volta com um novo trabalho. A banda atingiu a maturidade e encontrou a sua sonoridade no seu segundo álbum, Half Fiction. Estivemos à conversa com Miguel Ribeiro, vocalista e guitarrista da banda.

Noite e Música – Nasceram em outubro de 2011. Como tem sido o vosso percurso até hoje?
Miguel Ribeiro – Tem sido o percurso típico de uma banda. Começamos numa garagem ou numa espécie de, à procura ainda de uma sonoridade, muito perdidos. Portanto passamos assim pela infância e depois por uma fase de adolescência com mais ideias, energia e alguma irreverência. E agora chegamos assim a uma fase mais madura. Ao 2º disco a coisa começa a tornar-se mais sólida mas com laivos ainda de irreverência, naturalmente. Mas começamos como todas as bandas começa… Um grupo de amigos se junta com uma ideia de fazer uma banda, inicialmente a querer brincar e depois as coisas vão evoluindo. De repente há a possibilidade de tocar ao vivo, depois há a possibilidade de fazer uma mini digressão, depois começamos a perceber que temos público, depois começamos a gravar e por aí fora…

NM – Todos pertencem a áreas profissionais diferentes. Como é que chegaram à música?
MR – Hoje em dia no projeto, enfim, quase todos são músicos profissionais. Passaram vários elementos pela banda, foi crescendo também a esse nível. E hoje em dia grande parte são músicos profissionais e têm os seus projetos. Mesmo a Joana que tirou arquitetura e coreografia, trabalha na área da música e é agente dos GNR, entre outras bandas. Neste momento, só eu e o Rui Costa é que temos outra profissão mas olhamos todos para a música como um projeto profissional onde temos compromissos, objetivos e responsabilidades… é natural, a música sempre esteve de certa forma ligada a nós caso contrário não estaríamos cá (risos).

NM – Porquê o nome "The Happy Mess"?
MR – Olha, a essa pergunta, não te sei responder muito bem. Na verdade, nós desde sempre nunca valorizámos muito o nome. Um nome é um nome. Nunca fizemos muita questão de pensar sobre ele, nem de criar grandes conceitos à volta do nome. Quer dizer, há muitos nomes que não dizem nada… Beatles… O que é que é Beatles ou Arcade Fire. E nós The Happy Mess também foi assim. Foi trazido para cima da mesa por um elemento que já nem faz parte da banda, que era da banda original, e que foi um bocadinho um compromisso entre uns que queriam uma coisa e outros queriam outra. Ninguém se entendia então acabamos por ficar com um nome que ninguém sugeriu mas que adotamos tranquilamente.

NM – E acabou por fazer sentido porque foi uma bela confusão de se arranjar o nome não?
MR – Foi… foi difícil na altura. Acho que todas as bandas passam um bocadinho por isso. Ou há alguém que traz alguma coisa na cabeça ou se começamos todos a discutir, e sempre fomos muitos, era sempre difícil encontrar um consenso. Eu lembro-me que alguém sugeriu este nome no meio de uma confusão. Estava toda a gente a escrever papéis com nomes e foi muito confuso e então este surgiu como o consensual.

NM – Se pudessem escolher uma palavra que vos definisse qual seria?
MR – Pfff… Isso é muito difícil (risos). A minha palavra seria… sei lá… acho que incontinência criativa…? Mas seria 2 por isso talvez irreverência.

NM – Estão agora a lançar o álbum Half Fiction. Qual a principal diferença em relação ao Songs From The Backyard, o vosso primeiro longa duração. Será essa maturidade que falou no início?
MR – Este álbum traduz-se no fundo nessa maturidade. Essencialmente traz boas canções e é isso que vale. E o que traz em relação ao outro é um bocadinho do que estava a dizer há pouco. Os elementos que compõem esta banda estão juntos há 2 anos, precisamente na altura em que terminamos o primeiro de longa duração, Songs From The Backyard, esse foi muito mais tumultuoso. Quando fizemos esse disco ainda não sabíamos muito bem para onde íamos. Se era um conjunto de canções, todos nós tínhamos ideias diferentes para o disco, ainda não tínhamos tocado muito ao vivo… Portanto, o primeiro disco acaba por ser o resultado dessa vertigem. O segundo disco vai buscar o essencial desse primeiro que são as canções, as ideias da pop que nós temos, da pop independente, da pop indie. Basicamente o que aconteceu é que nós ao longo da última digressão do ano passado, foram trinta e tal concertos, tivemos muito tempo juntos, falamos muito sobre o que queríamos, da sonoridade, por onde queríamos ir… E eu acho que a grande diferença para o primeiro é que este foi um disco pensado. E quando nós fomos compor o disco para Paredes de Coura, nós já tínhamos a ideia exatamente da sonoridade que queríamos, não tínhamos nem riffs, nem estruturas mas tínhamos a ideia do que queríamos fazer, foi tudo muito pensado muito discutido.

NM – É como se tivessem encontrado o vosso som final?
MR – É, é isso. E ao fim de 2 anos juntos, pensamos muito no que queríamos fazer. Foi mais fácil e absolutamente tranquilo. A sonoridade depois é isso… retrata essa estabilidade que o projeto encontrou, esse caminho, essa personalidade que eu acho que é o mais difícil num projeto. É seguires o teu caminho, não copiares ninguém, não tentares seguir a onda do momento, é fazeres a tua música e aquilo que te é intuitivo. E isso é a grande conquista deste disco.

NM – É verdade que compuseram este disco numa semana em Paredes de Coura?
MR – Não o compusemos todo, compusemos grande parte do disco. Não sei 80/90% do disco foi composto numa semana numa residência artística que nos foi proposta em Paredes de Coura, lá no meio de uma floresta, na paisagem protegida de Corno de bico. E quando nós fomos para lá levávamos ideias mas achávamos que não íamos fazer absolutamente nada, uma semana é quase impossível compor um disco. Na verdade o facto de estarmos longe de tudo e de todos, estarmos sozinhos sem apelos de espécie nenhuma, não havia internet, não havia televisão, o telefone raramente funcionava. Portanto estávamos absolutamente concentrados naquilo que estávamos a fazer e as coisas acabaram por acontecer. Quase 80% do disco foi feito lá, o esboço das músicas e depois, claro, fizemos alguns arranjos cá em Lisboa e coisas assim. Mas as canções, grande parte delas, foram feitas lá, outras já tinha cá em carteira, 2 ou 3 mas a esmagadora maioria foi feita lá sim.

NM – A maioria das vossas músicas são em inglês, isso é uma tentativa de se internacionalizarem?
MR – Não pensamos muito nisso até porque temos a consciência que internacionalizar é uma espécie de falácia que só quem vive no meio da música é que sabe bem o que isso significa. É muito difícil a internacionalização, muitas bandas tentaram ao longo destas últimas décadas em Portugal e além do universo do fado quase ninguém conseguiu. Tirando os Moonspell não me lembro assim de nenhuma banda que tenha realmente conseguido internacionalizar-se. E isso é muito difícil, claro que temos essa porta aberta. Até porque têm surgido algumas hipóteses da eventualidade de participarmos em séries americanas ou filmes internacionais e isso pode acontecer e às vezes é um clique. Mas o inglês para nós tem apenas e só a ver com o fato de todos termos referências, aquilo que nós gostamos e que ouvimos habitualmente é música anglo-saxónica. São as referências do universo onde nós estamos, a indie, a pop… Não tem tradição em Portugal, não existe em Portugal e nós não nos sentimos bem em traduzir. Há muitas bandas que fazem isso e acreditam nisso, na mera tradução para português. O fato de cantarem em português e eu sei que atualmente há uma moda de cantar em português e eu acho que é perfeitamente legítimo porque é a nossa língua. Mas o inglês também é a minha língua, também é a língua que eu desde miúdo ouço, eu e os restantes elementos da banda, a música, as séries, os jornais, as televisões internacionais que vejo são em inglês.

NM – Acaba por fazer mais sentido?
MR – Só faz sentido, na nossa cabeça só faz sentido. A música que nós fazemos é-nos mais intuitiva em inglês. Embora a gente neste disco tenha uma música em português. Inicialmente era em inglês e depois traduzimos e acabou por resultar. Fizemos uma espécie de desafio a nós próprios para provar que somos capazes de cantar também em português. Portanto, não é por incapacidade que o fazemos, é mesmo por convicção (risos).

NM – Qual é que tem sido o feedback do público ao novo trabalho, até agora?
MR – Até agora ainda só tivemos oportunidade de mostrar músicas, poucas, no festival Paredes de Coura, que foi uma receção incrível. Tivemos oportunidade nas Festas do Mar em Cascais de tocar também 2 ou 3 temas e agora no Porto onde pela primeira vez tocamos o disco todo. E foi incrível, houve uma sintonia muito interessante. Às vezes até é difícil fazer um disco de apresentação porque as pessoas não conhecem as músicas, estão à espera de ouvir as antigas que já conhecem. Num disco de apresentação é suposto também tocar as novas, mas mesmo assim correu muito bem. Claro que estamos expectantes, a música está a passar na rádio, nós temos tido criticas muito boas, o feedback das pessoas que têm comprado o disco nos últimos dias também nos tem chegado através do facebook… portanto, estamos entusiasmados.

NM – Tendo em conta este vosso entusiasmo e o feedback do público, sentem que no futuro podem fazer isto a tempo inteiro?
MR – Nós fazemos a tempo inteiro, quer dizer, todos nós fazemos outras coisas ao mesmo tempo mas o projeto existe a tempo inteiro. Está disponível para tocar a tempo inteiro… Se a pergunta é se alguns de nós estaríamos disponíveis para deixar as nossas outras carreiras, a resposta é não. Não estaríamos porque, por mim falo, já falei sobre isto nomeadamente com o Rui que tem outra profissão e nós somos felizes assim. Ele ter a carreira de psicólogo continuar a fazer consultas, ir aos hospitais, é um lado dele que ele investiu e que é a profissão de coração. E eu, naturalmente, gosto de ser jornalista. Amo ser jornalista, é a minha formação, faço jornalismo há 20 anos e não penso nunca em deixar o jornalismo e a televisão. Até porque eu consigo conciliar as 2 coisas, enquanto as conseguir conciliar isso é que me deixa bastante feliz… E não é nada esquizofrénico. Há muita gente que é feliz a ser escritor e a ser arquiteto, há pessoas que são felizes a serem jornalistas e escritores, há pessoas que são felizes a ser pedreiros e bombeiros…

NM – São duas partes de vocês que vos completam?
MR – Exatamente. (risos)

NM – Se vocês pudessem fazer uma parceria com algum artista, quem escolheriam?
MR – Nós nunca fomos muito de parcerias, surgiu essa possibilidade de fazermos algumas parcerias agora neste disco mas na realidade nós gostamos de nos impor pelo que valemos e não por aquilo que outros artistas podem trazer para a nossa música e para a nossa sonoridade. Portanto, nós acabamos por nunca pensar muito seriamente nisso. Tivemos quase até à última para uma parceria, de uma participação vocal mas depois decidimos que se calhar a melhor coisa era não o fazer. Porque seria injusto, há tanta gente criativa em Portugal, há tantos artistas extraordinários com quem gostaríamos de trabalhar que não seria justo escolhermos um ou dois.

NM – E essa individualização para vocês é importante?
MR – Para nós é porque queremos impor-nos por aquilo que somos, não é por aquilo que outros podem trazer para o nosso projeto. Eu sei que há pessoas que fazem discos com 10 convidados, 15 convidados e na nossa cabeça isso não faz muito sentido. Porque depois deixam de ser esses projetos e passam a ser outra coisa, passam a ser uma esponja de outras coisas.

NM – Qual foi o fio condutor para se inspirar para este disco?
MR – Eu, fio condutor, só me apercebi no final quando já tínhamos escrito todas as letras e feito todos os esboços. No final é que comecei a olhar e ver que aquilo tinha um fio condutor e daí ter surgido o nome do disco Half Fiction. Metade do disco revelou-se ser histórias ficcionadas, personagens romanceadas, vivências imaginadas, enfim sempre com uma realidade que são os sentimentos de todos nós. A frustração, o amor, o desamor, enfim aquelas coisas normais que todos nós partilhamos. Mas depois percebemos que não tinha só histórias ficcionadas mas também uma componente realista, muito indignada com tudo o que nos rodeia. Estamos a passar tempos que não é possível ficar indiferente à crise moral, à crise ideológica, política, económica, de valores… e de repente, tinha escrito sobre isso. E é essa parte, uma série de histórias descontraídas que nos permitem viajar e outras que nos obrigam a refletir sobre aquilo que nos rodeia. E às vezes é uma espécie de apelo à indignação.

NM – Sentem que os rótulos que por vezes impõem à vossa música vos limitam de alguma maneira?
MR – Os rótulos limitam sempre para o bem e para o mal, mas nós nunca tivemos grandes stresses com os rótulos. Nós fazemos música pop, estamos no universo da pop, naturalmente que a pop é muito vasta e depois há a tendência, e eu compreendo isso, de subdividir a pop. E nós estamos na pop indie, não é propriamente a pop da Beyoncé. E existe esse universo da pop alternativa e é aí que nós estamos, não procuramos mais subdivisões nem encaixarmo-nos em mais lado nenhum. Somos muito descontraídos em relação a isso.

NM – Qual seria o cenário ideal para o futuro dos The Happy Mess?
MR – Era tocarmos bastante (risos), ganharmos público e mostrarmos a muita gente aquilo que fazemos. Eu acho que há condições para que isso aconteça. O nosso objetivo é esse, nós não somos demasiado ambiciosos, vamos com um pé atrás do outro. Conquistamos uma pessoa, uma a uma e naturalmente o gozo supremo é que tu sejas apreciado pelo maior conjunto de pessoas e se sairmos do país melhor ainda, mas devagarinho. Nós gostamos de ir devagarinho, não dá para passos maiores que as pernas e esse tem sido sempre o nosso fio condutor. E aquilo que nos permite sonhar mas com os pés na terra, sempre.

NM – E já sentem ideias a fermentar para um novo trabalho ou ainda é muito cedo?
MR – Por acaso é verdade, nós acabamos uma coisa e já temos ideias para outra mas vamos ter de esperar um bocadinho. Mas temos muita coisa, nós temos sempre a necessidade de continuar a criar e a compor. E eu acho que a génese e a alma desta banda é precisamente essa, é a criação. Embora todos nós gostemos muito de tocar ao vivo, amemos tocar ao vivo, de estar em estúdio, de ensaiar nem tanto, mas sim, temos sempre essa necessidade de estar a compor. Mas vamos esperar, a Sony matava-nos se quiséssemos já gravar outro disco.

NM – Têm alguma música de eleição?
MR – Eu já tive várias, eu sou um bocadinho de andar uma semana a ouvir uma música, depois canso-me daquela, depois fico vidrado noutra e passo uma semana sempre a ouvir a mesma música até que me canso e volto à anterior. Mas há uma em especial, que talvez não seja nada óbvia, não é para a banda, estou sempre a dizer isto, se calhar sou o único a pensar assim mas chama-se "Lonely People". Gosto da sonoridade dela.

NM – E posso perguntar porquê, para além da sonoridade?
MR – É sobretudo pela sonoridade e porque provavelmente seria a génese de um disco a solo. Seria a partir daí que cresceria um disco, se fosse só eu a compor, seria por aí que eu ia. E pronto, depois também fui eu que a fiz (risos).

NM – Expetativas?
MR – É que seja disco de ouro (tom de brincadeira), não sei, não tenho grandes expetativas. Espero que corra bem, que passe muito nas rádios. Que os conceitos sejam como nós os idealizamos, com uma componente muito forte em termos de energia, que já vai sendo habitual nos Happy Mess, mas também com outras complementaridades que nós trouxemos, o vídeo, a coreografia, a cenografia, enfim um conjunto de ideias que queremos levar para palco e esperemos que resultem porque ainda nem sequer as experimentamos. Foi tudo concebido na nossa cabeça e agora é perceber como as coisas resultam na nossa digressão mas acho que vai correr bem.

NM – E como é ouvir a vossa música na rádio?
MR – A primeira vez é sempre muito gratificante, depois vais-te habituando e às tantas já te parece normal. Mas nas primeiras vezes, tenho essa a memória, e foi incrível. Aquilo que tu fizeste em casa sozinho ou com a tua banda numa tarde enfiados na nossa sala de ensaios de repente está a ser ouvido pelo país inteiro. É assim…

NM – Lembra-se onde estava quando ouviu uma música vossa pela primeira vez na rádio?
MR – Normalmente estou no carro. As primeiras vezes que ouvi os singles que passaram na rádio, quase sempre estou no carro. Lembro-me da primeira vez que ouvi o "Morning Sun", acho que foi na Comercial e tive que encostar o carro e fiquei a ouvir e a ligar a toda a gente com aquela emoção. Das vezes seguintes já não precisei de encostar mas é sempre bom.

Entrevista: Marta Costa