Mirror People em entrevista: "Estar a solo não chega sequer a ter vantagens ou desvantagens, é apenas diferente"


Mirror People em entrevista: "Estar a solo não chega sequer a ter vantagens ou desvantagens, é apenas completamente diferente"

Mirror People, o alter ego de Rui Maia (X-Wife), esteve á conversa com o Noite e Música para descortinar o seu novo projeto.

Noite e Música: Para começar, voltemos a 2002 e à altura em que os X-Wife nasceram. Como foi fazer parte de um dos grandes nomes de indie-pop da música portuguesa?
Rui Maia/Mirror People: Eu na altura não tinha bem noção do panorama, da dimensão do que foi. Mas agora ao olhar para trás, vejo que realmente foi uma experiência ótima, principalmente nos primeiros anos em que as coisas foram acontecendo e aparecendo e aos poucos foi tudo tornando-se cada vez maior. Mas é engraçado porque na altura em que estava mesmo a viver as coisas parece que não tinha mesmo noção do que se estava a passer…

NM: Ainda estavas a navegar nas núvens do éter, não era?
RM/MP: (risos) Sim, era tudo novidade. Eu antes dos X-Wife tive umas quantas bandas de garagem, que não tiveram o mediatismo que os X-Wife acabaram por ter, mas toda a experiência foi óptima e preparou-me mesmo para o futuro e para fazer o que estou a fazer agora, por exemplo.

NM: Começaram no Porto, já que são todos nortenhos… Mas é óbvio que o vosso público não ficava só ali. Sentiam que havia regiões ou localidades onde a vossa música pesava mais?
RM/MP: Fora dos grandes centros, por acaso os X-Wife sempre tocaram mais pela zona centro; tínhamos sempre muitos concertos nessa zona. Não sei se era por termos muito bons promotores a trabalhar por nós ou era outra coisa qualquer, mas sempre tivemos a sorte de tocar muito fora daquelas cidades óbvias, tipo Porto, Lisboa, Coimbra, Braga… Íamos mais para o sul, para Leiria, mas também íamos tocar para locais como Pedrógão, terra mais pequenas e menos óbvias que aquelas principais. Por isso posso dizer que nunca ficamos limitados a algumas zonas, conseguimos ir andando pelo país.

NM: Vocês tocaram em Texas ao lado do David Fonseca e os You Should Go Ahead, não foi?
RM/MP: Sim, tocámos em Austin. Fizemos três digressões na América e uma delas, ainda antes do Texas, demos concertos em Brooklyn. E nessa digressão tocamos com o David (Fonseca) e com os You Should Go Ahead, no festival South By Southwest.

NM: Como foi essa experiência? Acredito que seja algo de outro mundo…
RM/MP: Sim, foi muito bom! É uma experiência que aconselho a qualquer músico ou amante de música, que goste de concertos, e que tenha a oportunidade de o fazer. É uma experiência muito porreira porque tu tens vários tipos de artistas, grandes, pequenos, salas grandes, salas pequenas. Tens a cidade toda, porta sim, porta sim, com concerto. Nós aqui em Portugal adotamos recentemente esse conceito, por exemplo com o Mexefest, que acontece em vários espaços de Lisboa, e isso vai muito de encontro ao que acontece no South By Southwest, só que lá é em dimensões muito maiores. A experiência é incrível, adorava voltar lá um dia!

NM: Já agora, em termo de curiosidade, desmistifica-me uma dúvida: é verdade que o público português é o melhor? Comparativamente com o da América.
RM/MP: É muito diferente. Em relação à América posso-te dizer que os americanos são muito diferentes dos europeus, na maneira de estar, na maneira de vibrar ou curtir os concertos. Mas o público português é fixe, é caloroso, gosta de fazer muito barulho.

NM: Em relação ao teu novo projeto. Para além de seres o Rui Maia, tens agora um alter-ego de nome "Mirror People".
RM/MP: Sim. Este projeto surgiu depois de em 2009 ter lançado um EP pela Optimus Discos chamado "Mirror People". Foi exatamente numa daquelas tours pela América (a última com os X-Wife foi em 2009) que eu andei a pensar sobre o assunto e decidi que a partir do ano de 2010 iria assumir um projeto a solo, mas com nome de banda e não um nome de artista pessoal, individual. Estive a pensar, em vários nomes de bandas e porque não Mirror People? Já que o EP se chamou da mesma forma, pensei que poderia pegar nesse mesmo nome e trabalhar com ele. E assim foi. Decidi esta mudança porque pareceu-me mais universal, assim ao veres o nome do projeto associas mais a uma banda e do que propriamente um projeto a solo, que era o que iria acontecer se adotasse o meu nome.

NM: Escolhes maioritariamente meninas para colaborarem contigo nos teus temas.
RM/MP: Sim. Mas não escolho por nada em particular…

NM: Achas que a voz feminina joga melhor com o teu tipo de som?
RM/MP: É mais ou menos. Eu adorava arranjar vozes masculinas que cantassem bem e que não tivessem um sotaque inglês “aportuguesado” mas tenho tido alguma dificuldade em arranjar vozes masculinas para as minhas canções. Aquelas pessoas com quem tenho mais contacto não têm a voz que eu procuro e por isso ainda está por acontecer. Felizmente, até agora, as pessoas com quem colaborei têm sido boas surpresas, como o caso da Iwona que canta no novo single "Come Over", que é uma excelente vocalista e que tem várias características que eu gosto numa voz; ela consegue transmitir sentimento a cantar – com a voz dela consegues sentir o que ela está a dizer, tem feeling, e acho que logo por aí acho que ela é uma excelente vocalista. Colaborei também com a Rowetta que é dos Happy Mondays, ela tem um tipo de registo completamente diferente da Iwona, é um registo mais disco house, eu fiz uma música com ela que é a "Feel The Need" e é completamente diferente da "Come Over". Mas claro que gostava de colaborar com mais pessoas, principalmente vozes masculinas. Eu sei algumas vozes com as quais gostava de colaborar mas é difícil chegar a essas pessoas ou elas aceitarem a colaboração, mas havemos de chegar lá.

NM: Sentias que estava na hora de levar a tua música a outro patamar, avançando com este projeto a solo?
RM/MP: Eu sempre tive músicas gravadas em casa e músicas que não cabiam no universo dos X-Wife porque eram coisas diferentes do que nós costumávamos fazer. No entanto, ao longo da existência da banda fui sempre pensando que haveria espaço para ter alguma coisa a solo, ou alguma colaboração com alguém, e a coisa surgiu um bocado assim, naturalmente, como side-project. Depois, a partir de 2011 as coisas começaram a ficar mais sérias, os X-Wife começaram a ficar mais parados e comecei a apostar mais neste lado a solo, a desenvolver o projeto e a trabalhar em mais canções e remixes. Também acaba por ser mais fácil, porque que sou só eu. Não tenho de lidar com técnicos, tomo decisões sozinho, faço as coisas sozinho, posso trabalhar em casa, é mais fácil.

NM: Pois, realmente o conceito dos teus espetáculos ao vivo vão um pouco de encontro a isso, és quase como um "one man show", não é?
RM/MP: Sim, é muito isso. Eu estou sozinho em palco ou numa cabine de DJ, e tenho vários sintetizadores, drum machines, pedais de efeitos e o set é contínuo, toco só músicas de Mirror People, que foram todas adaptadas a um formato mais "pista de dança". Funcionar como se fosse um DJ set contínuo, mas tocado. Tenho samples de voz das canções que contam com a colaboração de outras vozes, e vou disparando esses samples, já que não tenho os vocalistas comigo para cantar ao vivo. O projeto é mesmo mais virado para discotecas e para aquele ambiente de DJ on set.

NM: Sentes-te mais livre neste formato mais pop-eletrónico? Mais independente?
RM/MP: Sim, em termos de criação é claro que é diferente. É diferente fazer as canções sozinho do que se tivesse mais pessoas a colaborar. Dou-te o exemplo dos X-Wife – sermos três pessoas a pensar, três pessoas a dar ideias e a criar as canções, às vezes demorava mais e podia não ser tão fácil. É claro que todo o processo de criação em conjunto é muito diferente do que sendo só eu. Estar a solo não chega sequer a ter vantagens ou desvantagens, é apenas diferente. Eu gosto deste lado de fazer as coisas sozinho, e de decidir o que quero ou não para as canções, mas lá está, por um lado é bom mas por outro também não é muito bom. Sou eu que decido tudo. Às vezes é complicado.

NM: O que é que fala mais alto em ti… O papel de produtor, que já te é muito próprio, ou de live performer?
RM/MP: Eu faço os lives, djying e tocar ao vivo mas não é uma coisa com a qual eu me sinta muito bem, ser performer. Eu sou um gajo tímido e às vezes fico um bocado embaraçado por estar ali sozinho em palco, mas tento disfarçar. Eu sou um rato de estúdio, sou um gajo da maquinaria e estou sempre em casa a tentar descobrir como funciona e sempre a inventar coisas, é algo que adoro fazer e sinto-me muito bem nesse papel. Não é que não goste de tocar ao vivo ou passar música – claro que gosto, gosto muito, mas entre as duas coisas sinto-me mais confortável na segunda.

Entrevista: Marta Ribeiro