Mazgani em entrevista: "Só fazia sentido gravar um disco de versões depois de gravar alguns discos"


Mazgani em entrevista: "Só fazia sentido gravar um disco de versões depois de gravar alguns discos"

Estivemos à conversa com Mazgani para conhecer melhor o seu Lifeboat.

Lifeboat é uma releitura muito pessoal de Mazgani da obra de figuras marcantes no seu percurso musical, e na sua vida, trabalho co-produzido por Mazgani e Hélder Nelson, e gravado live on tape, ou seja, em estúdio mas ao vivo, de modo a captar o espaço e os momentos na perfeição.

Noite e Música – Acabas de editar Lifeboat. Porquê este título?
Mazgani Eu acho que é um disco bonito, tem uma imagem bonita… Tem que ver com o facto de eu achar que as canções se inscrevem no território das coisas que nos podem salvar. As canções para mim estão na mesma geografia que o amor ou que a arte, são uma beleza que nos pode redimir e conferir luz aos nossos dias e de certa forma isso é um retrato de algumas das imensas canções que me têm acompanhado nos meus dias. A lista para este disco seria infindável, seriam centenas ou milhares de canções que eu gostava de cantar, que gostava de ter escrito e que são de certa forma o meu pão e que me alimenta e dá norte, que dá sentido aos dias e nesse sentido achei que era justo chamar-lhe Lifeboat.

NM – Lifeboat contraria os álbuns anteriores. Neste incluís versões de alguns músicos que aprecias. Porquê este álbum?
M – Só agora me senti capaz… Na minha cabeça só fazia sentido gravar um disco de versões depois de gravar alguns discos. Manusear o material, criar algum músculo, sentir que tinha a minha voz, que tinha a autoridade para contar a minha versão das coisas, apoderar-me destas histórias e torna-las minhas, agarrar nas canções e dar-lhes uma estética em que as casasse, em que a minha voz seria o fio condutor. Só senti que me podia meter neste sentido agora, antes não fazia sentido porque não era capaz, não o conseguia fazer.

NM – Qual o significado destes temas na tua vida? Eles são um reflexo da tua identidade?
M – Sim. Por vezes os autores que canto neste disco são autores que acompanham-me há muitos muitos anos, que oiço a discografia toda, entraram na minha vida, revejo-me nelas… Mas também há canções que escolhi por simplesmente gostar delas, não há tanto essa relação intima que eu sinto com o autor, essa presença na minha vida… Algumas foram escolhidas porque gosto da canção, outras porque gosto do corpo de trabalho, do corpo de obra e torna-se até difícil de cantar uma canção do Leonard Cohen ou da PJ Harvey, das dezenas que eu admiro…

NM – E o que é mais complicado? Criar músicas ou recriar músicas de outros artistas?
M – Senti que o desafio é semelhante. Em ambos os casos tens que conviver com as canções o tempo suficiente para as tornares tuas. Tuas ou não, é sempre um exercício de construção. Tens sempre que construir a tua voz e tens que propor, gerir uma versão dos acontecimentos. Nas versões tens que fazer exatamente a mesma coisa, tens que pesar cada palavra… O caminho que o cantor tem que seguir a cada palavra é percetível consciente ou inconscientemente pelo ouvinte se tu estás a medir o que estás a dizer, se estás a pesar o que estás a pensar, o que estás a dizer… Nesse sentido acho que o desafio e semelhante, o envolvimento e o mesmo. Sinto que este é um disco meu, tal como os outros.

NM – Os concertos vão ter como base este álbum? Irás fazer uma viagem também pelo passado?
M – Sim, os discos têm sempre estéticas vincadas e muito diferentes uns dos outros. Fiz sempre os discos sem reação ao anterior, sempre com um rompimento e gostava de visitar o passado e casar as estéticas dos vários discos com o que estamos a apresentar agora e encontrar um fio condutor e uma estética coerente que funda as canções mais recentes com as mais antigas.

NM – Será um concerto mais intimista visto retratares músicas que te acompanharam desde sempre?
M – Eu quero sempre que o disco cresça no palco e que seja uma experiência distinta. Vamos para a estrada agora e espero que as coisas se vão mutando e transformando, que nos vão surpreendendo a nó que vamos tocando, portanto espero que haja alguma transformação do disco para o palco e que seja uma energia diferente porque acho que são experiências diferentes, são formas diferentes, são técnicas diferentes, são registos diferentes, são abordagens diferentes…

NM – O que podemos esperar do Mazgani daqui para a frente?
M – Eu espero ter a sorte de, se a vida me permitir, continuar a cantar, a escrever e a gravar discos, a fazer estrada e continuar neste caminho que espero que seja o mais longo possível. Que a vida me permita que seja o mais longo possível…

Entrevista: Bruno Silva
Foto: Rita Carmo