Night + Day Lisboa: From The XX with Love


Para quem anda nestas vidas, a época oficial de Festivais de verão teve a sua abertura num aquecimento musical no Porto – Warm Up Vodafone Paredes de Coura. Este Domingo, foi a vez da música tocar ao ar livre no Jardim da Torre de Belém.

Dez mil pessoas foi a conta feita, no final de um final de tarde e noite com Paus, Mount Kimbie, John Talabot, Chromatics e os criadores do evento, The XX. O trio britânico, escolheu Lisboa, para a primeira sala de espetáculos do festival urbano – com continuação em Berlim e Londres, com os seus artistas de eleição convidados e com a promessa de aliança com o público português (e não só).

Num dia de calor, houve ainda quem, entre amigos aproveitasse para estender uma toalha, beber um copo de vinho e apanhar banhos de sol, fora do recinto.

Sob um ambiente primaveril, o palco Night + Day dá as boas vidas à banda nacional, Paus. O público, sedento de música, recebeu o convite para dançar com o monstro rítmico de duas cabeças, a cuidado de Hélio Morais e Joaquim Albergaria. "Muito Mais Gente", gritante e enfurecido, e o apoteótico "Mudo e Surdo" fizeram parte do alinhamento de meia hora, repleto de energia e notas distorcidas.

Entre concertos não havia momentos de silêncio, nem nas conversas entre os membros do público, nem no coreto, transformado em DJ stand. Aqui a glória começava pela mão do português Xinobi e terminaria com os ares e graça de um dos fundadores da discográfica de dancepunk, DFA Records e ex-homem forte dos LCD Soundsystem, James Murphy.

Mount Kimbie, o segundo terceto do final de tarde, trouxe de Londres uma bagagem de samplers em pequenos sintetizadores, drum machines e guitarras de mão em mão. No repertório, estão 5 EPs, um longa duração editado em 2010 e a promessa para este ano é "Cold Spring Fault Less Youth", a ser lançado dia 28 de maio. Post-dubstep, percussão metálica e estridente, numa ambiência que trás à memória o som da guitarra tocada por Romy Madley Croft. Jamie XX e Oliver Sim, estiveram nas redondezas, entre a passeios turísticos pela plateia e como membros da audiência.

Nuestro hermano, John Talabot, veio da Catalunha para o formato de clubbing ao ar livre, munido de uma eletrónica rítmica e pujante. Pional juntou-se a Talabot, num duo que apresentou o disco de 2012, "fIN". House intenso, que fez Romy e Oliver, sempre omnipresentes, saltarem para o palco para darem voz à versão criada pelo DJ espanhol e Pional – blinded remix – da mágica "Chained", o segundo single de Coexist.

The XX, guardaram a sua magia para o decorrer noturno, mesmo com Jamie XX fugido para o seu DJ set, na companhia de Kalaf que no papel de MC, puxou por festivaleiros e estreantes. A noite trouxe o frio mas os corpos dançantes celebraram a performance de Jamie que entre luzes de jardim e sonoridades revisitadas, apresentou "Together" – da banda sonora contemporânea de "The Great Gatsby", recém adaptado por Baz Luhrmann – e uma "Missing" traduzida em linguagem de pista de dança.

No verão do ano passado, Paredes de Coura recebeu os americanos Chromatics que apresentavam "Kill For Love". Ruth Radelet, a charmosa jovem-senhora em palco, cantou para fazer companhia a quem matava a fome e a quem se deixava estar na fila por uma bebida fresquinha. A audiência recebeu com carinho o pop eletrónico que soa a anos 80, disfarçado em temas como "These Streets Will Never Look the Same" e "Lady". "Cherry" foi um dos doces momentos, demonstrado sob o olhar atento da Torre de Belém. Com o final dos seus 45 minutos à vista, a inspiração da banda ofereceu a música de amor "Running Up That Hill", original de Kate Bush, e a reapelidada "Into the Black" de Neil Young, no encerramento de um concerto sedutor.

O soul, funk e groove, estiveram presentes no DJ stand, mesmo à porta do Night + Day, com Pional a fazer das suas. Aos corajosos que não guardaram lugar para os protagonistas da noite, pedia-se que abanassem o corpo, num exercício que preparou músculos e espírito para o que a noite (ainda) prometia.

Num palco às escuras, pronto para o mote de estética minimalista, estilizada e hipnótica de The XX, acenderam-se luzes tão fortes que Romy, Jamie e Oliver, entraram como ninjas sobre uma tela branca. "Menos é mais" deveria ser uma frase ensinada em português, aos artistas que se movimentavam em palco, numa simbiose que completa o comando do mestre Jamie. "XX" e "Coexist" fizeram baloiçar, até os corpos mais envergonhados e a euforia, essa, tomou conta das mãos e voz numa entrega ao vicio que são os The XX.

Numa cerimónia de tons neutros, de farda negra, a emoção, tanto como o espaço entre corpos, é tensa, provocante, carnal. Em "Heart Skipped a Beat" as palmas estiveram prontas, para garantir o acompanhar de todas as batidas cardiacas. As pernas fraquejavam e o uníssono vocal era cada vez mais evidente, naquele palco que serviu de altar, entre a banda e a cidade. Oliver Sim, de voz grave, voluptuosa conta histórias por letras intimas, suaves, com alma, que nos acordes da etérea guitarra de Romy, soam a amor.

"Crystalized", mostra a essência única da banda que se estreou introvertida e que, com a legião de seguidores atual, continua em criações admiráveis. Com a mão nos steel drums, Jamie cola "Reunion" a "Far Nearer" numa transição de génio, com sabor a Caraíbas. "Sunset" tocou com melancolia, já a lua tinha substituído o sol. Numa ação recíproca entre lamentos de Oliver e reflexões nostálgicas de Romy, "Missing" é uma explosão de sentimentos, onde a batida conforta. Num equilíbrio entre instrumental e novos elementos nos arranjos que Jamie prepara, a voz tem lugar para se expandir.

"Night Time" uma das pérolas do disco que apresentou The XX ao mundo, libertou gritos histéricos, impossíveis de conter. "Shelter", "VCR" e "Islands", foram a triologia de clássicos que se apresentaram com os truques do costume, numa composição absurdamente grandiosa. "Chained" com Oliver e o seu timbre aveludado e maduro, atria um arrepiante riff de guitarra. Na primeira despedida do alinhamento, "Infinity" ressuscita e cresce até as suas fronteiras rebentarem num silêncio que deixa "I can’t give it up" a latejar na memória.

Na frente do palco, um "X" de lasers cruzados, aguarda o regresso para um encore instantâneo. "Intro", o hino sem palavras que melhor identifica, é recebida num sem fim de gritos e Romy levou-nos pela mão, numa utopia eufórica. Agradecimentos à parte, The XX despedem-se de uma das suas favoritas cidades europeias, com "Angels", a tão aguardada prova de que "Coexist" não iria desiludir. "We love you Portugal" soube a pouco, depois de uma hora e (quase) meia magnética, com a beleza tímida dos jovens músicos. Night + Day ativou todos os sentidos e deixou a sua marca, até ao próximo episódio.

Fotos: João Paulo Wadhoomall
Texto: Sara Fidalgo