Seu Jorge na Meo Arena [reportagem]


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Enchente na Meo Arena, em Lisboa, para acolher Seu Jorge, aquele que já é por muitos considerado o melhor artista de música popular brasileira da atualidade.

E numa noite que prometia casa cheia, o público apresenta-se cedo para mostrar o amor à música brasileira e o apoio ao tão querido e grandioso trovador, Tiago Bettencourt.

Sentado ao piano, cantou o primeiro tema, "Laços", levado na bagagem com cores toranja, até à sala de espetáculos plantada à beira Tejo. E nas calmas ouvimos "O Jogo", que precedeu o repertório de Tiago & Mantha, em "Só Mais Uma Volta".

Revivemos a composição clássica de Carlos Paião, com o jovem cantor de cabelo aos caracóis a prestar homenagem, com a versão de "Pó de Arroz" que já lhe conhecemos. O empenho era tanto que se partiu uma corda da guitarra, mesmo antes de Bettencourt convidar a cantorias com "Carta", o primeiro momento alto da noite na Meo Arena. Tocou-se o jovial "Chocámos tu e eu", com a banda em alto e bom som, seguindo-se "Eu Esperei" em modo Bob Dylan, com direito a harmónica ao pescoço.

Dadas as boas-vindas ao público, este alinhava-se, já com a voz quente e de mãos prontas para a ovação ao protagonista da noite. Sorrisos, óculos de sol e uma descontraída camisa aos quadrados, fez de Seu Jorge um amigo lá da rua, que iniciou o seu manifesto vocal com "Alma de Guerreiro" e numa transição cheia de groove e funk apresentou-nos "Mina do Condomínio".

A galera já não controlava o jogo de cintura e  "Chega no Suingue", com o solo de um trompete arrebatador, vem salvar a vida, salvar o amor. Já se tinha ouvido a saudação "Boa noite Lisboa" mas entre passos de dança típicos de Michael Jackson, com infusão samba, o público deixou-se levar até "Pessoal Particular".

Sem óculos e com o suor em bica, Seu Jorge canta "Quem Não Quer Sou Eu", enfrentando um boneco gigante, metálico e flutuante, de braços abertos no centro da Arena. Viajámos pela atmosfera de luzes quentes, ao som de uma flauta transversal tocada pelo músico, oferecido ao Brasil e a "Zé do Caroço". Por entre trocas de ritmo e notas fortes no compasso, os ânimos de alegria extasiada vão acalmando, havendo apenas espaço para "Negro Drama" – original de Racionais Mc’s – a poesia entoada por uma voz quase tão intensa como a de Morgan Freeman. E depois da história na ponta da língua, Seu Jorge lidera a banda com a ponta dos dedos, como um maestro do forró.

O momento de abraçar a cara metade, de acender o isqueiro ou simplesmente levantar o telemóvel, chegou com "É isso aí", desta vez sem Ana Carolina a apoiar a versão carioca de "The Blower’s Daughter", de Damien Rice. Num turbilhão de emoções, Seu Jorge dá a sua bênção a Portugal, o país irmão, sem dinheiro no fundo do poço. Sentado sozinho no palco, lança os primeiros acordes de "Problema Social", sem parar vem "São Gonça", em jeito de bossa nova encantadora e "Life On Mars?", numa viagem no tempo até ao filme Um Peixe Fora de Água (2003) – Até Bowie tinha dançado!

Arruma-se a guitarra a um canto e entra em palco o ensemble de instrumentalistas, munidos de um talento sem fim, para uma demonstração de 15 minutos de loucura. De uma cajadada só, os exemplares temas de carreira chegam bem pertinho e "Mania de Peitão" é o primeiro a ser saboreado, antes da explosão de euforia com nome "Amiga da Minha Mulher". E de tons lá da baía, saído do álbum Cru, foi a cru que o Jorge irmão cantou "Tive Razão", com a aprovação de Lisboa inteira (desta vez Willem Dafoe não apareceu).

A meia noite já lá ia e eis que chega "Carolina" charmosa, ainda enérgica e a, imperdoável se faltasse, "Burguesinha" com croissant e suquinho de maçã. A noite do Brasil ficou com (ainda) mais cores nacionais, quando "Mas Que Nada" composta por Jorge Ben Jor, se fez ouvir, num samba geral e abusado. Tim Maia marcou presença com o seu original "Sossego" e a despedida, já de corpo destilado, pôs todo o mundo dançando o disco funk de Nova Iorque dos anos 80, com "On The Beat".

Não houve tempo para churrascos mas Seu Jorge foi mestre de cerimónia no longo e aguardado concerto na sala de espetáculos lisboeta. E as lágrimas estavam na mente de quem se apercebia que a segunda-feira estava prestes a chegar e cedo erguer não iria dar saúde, nem fazer crescer.

Fotos: João Oliveira
Texto: Sara Fildago