Talkfest'13: a reportagem dos concertos


CAPITÃO FAUSTO e SALTO @ AULA MAGNA
Depois de mais de 10h de conferências e debates, eis que chega a hora de ócio e lazer. Do ISEG para a Aula Magna se fez o percurso, desta feita para dois concertos bem portugueses, com os lisboetas Capitão Fausto e os portuenses Salto.
Bem depois da hora prevista, já quase 40 minutos passados das 22h, as luzes apagam-se numa Aula Magna não completamente cheia, mas bem composta para uma quarta-feira à noite. O tempo lá fora pouco convidava a uma saída noturna, com rajadas de vento frio e chuviscos de quando em vez, mas mesmo assim, muitos foram os que fizeram questão de marcar presença na mítica sala de espetáculos.
Com um público inicialmente acanhado, sentado nas confortáveis cadeiras da sala, eis que a primeira banda da noite entra em palco. Enérgicos, os Capitão Fausto – Tomás Wallenstein na voz e na guitarra, Domingos Coimbra no baixo, Manuel Palha na guitarra, Francisco Ferreira nas teclas e Salvador Seabra na bateria – tomam de assalto a infraestrutura tão bem montada para os receber.
Com um jogo de luzes de se lhe tirar o chapéu, que convidava a um olhar constante colado no palco, os cinco jovens lisboetas entraram a matar convidando de imediato todos os presentes para "se porem todos de pé e chegarem bem mais perto". Apresentando vários temas conhecidos do jovem público presente no espaço, saídos do álbum "Gazela", Capitão Fausto espantaram todos os que fizeram questão de "picar o ponto", com uma presença fantástica, uma energia irrepreensível e um talento promissor.
O som, um rock alternativo bem português, cheio de refrões que entravam facilmente no imaginário da audiência, rapidamente ecoou pelas paredes e tetos bem altos da Aula Magna, espalhando ritmo por tudo quanto era canto.
De um lado para o outro, do topo para o final da sala, a energia contagiante tomou conta do público que efusivamente dançava e batia palmas ao som da banda autora de "Teresa". De canção em canção se fez o concerto dos declarados capitãs da noite, abrindo o mote para quem quisesse vir a dar o Salto, com a banda seguinte.

Pouco antes da meia noite, foi a vez de um sotaque nortenho e bem portuense invadir o palco da Aula Magna para fazer tremer as cadeiras com um rock bem peculiar. Sem que precisas fossem as apresentações, os três mosqueteiros cumprimentaram o público presente com um "Olá! Nós somos do Porto, c******!", rematando a frase com uma palavra que, sem qualquer margem para dúvida, merecia um "pi" por cima, ou não fossem eles gajos do norte.
Com um jogo de luzes um tanto ou quanto psicadélico, três barras que alternavam de cor que fazia lembrar focos, variando entre o verde, o vermelho, o amarelo e o azul, Gui Tomé Ribeiro, Luís Montenegro e Tito Romão, deixaram uma Aula Magna com arrepios na espinha.
O rock ouvido nessa hora, a muito nos lembrava. Um cheirinho a Pond, uns acordes que lembravam Melody’s Echo Chamber e uma sonoridade que nos enviava diretamente para Tame Impala. Duas ou três músicas se passaram, e o público já farto de palmilhar terreno nas imediações do palco onde o rock marcava presença, quando Gui Tomé Ribeiro informa que "é um prazer estar presente esta noite, aqui na mítica Aula Magna! Este é o nosso primeiro concerto de 2013 e esperamos que seja memorável!", o que arranca assobios, palmas e gritos dos (não muitos mas suficientes) presentes.
Já mais perto do final do espetáculo, a abordagem sonora muda ligeiramente, passando do rock para a alternativa, misturando a eletrónica dos sintetizadores com as batidas na tarola da bateria e os acordes duros no baixo. De similaridades a Tame Impala, passamos para LCD Soundsystem e maioritariamente, sons da onda de Metronomy, encaminhando o resto do concerto para uma aura mais pesada, mais escura mas nem assim deixando de ter um poder de execução sonora exímia. Apesar de ter "dado o salto" há relativamente pouco tempo, a banda dos jovens portuenses tem-se vindo a mostrar uma das mais entusiasmantes promessas do panorama musical português. Devagar se vai ao longe mas com o impulso certo o "Salto" pode ser ideal para singrar para lá das terras lusas.

DOISMILEOITO e OS PONTOS NEGROS @ AULA MAGNA
O segundo dia de concertos, inseridos na iniciativa do Talkfest (aquele que é um “festival” dedicado inteiramente à discussão e debate do futuro dos festivais em Portugal), tem mais uma vez uma dupla de peso e representante de duas zonas emblemáticas do país: Porto e Lisboa.
Doismileoito foram os primeiros a entrar em palco, vindos diretamente da invicta para um concerto que, apesar de a casa estar a menos de meio gás, com pouca gente na Aula Magna para assistir, deu pano para mangas e marcou, certamente pela positiva, a noite de todos os presentes.
Os jovens portuenses que se estrearam pela primeira vez como doismileoito em 2005, lançaram o último álbum, "Pés Frios" em 2011. Mas não é por já não lançarem um trabalho novo há dois anos que o concerto deixou de ser pujante e cheio de energia. Apesar de poucos estarem na sala de espetáculos, talvez devido ao mau tempo e por ser um dia de semana, a festa fez-se na mesma e em português. Poucos mas bons, como se costuma dizer, juntaram-se ao palco, bem colados aos músicos para saltar, bater palmas e cantar as músicas numa só voz com os portuenses.
Com um som bem maduro, um rock sólido que passa pelo pop mas sem chegar a ser comercial de mais, facilmente passariam por uma qualquer banda estrangeira, lembrando um pouco The Maccabees ou até mesmo The Kooks, caso não cantassem (e que bem que o fazem!) inteiramente na língua de Camões.
Foi, sem dúvida, uma das bandas mais aclamadas de todas as que passaram pela Aula Magna esta semana. Já perto do final do espetáculo, aproveitaram para fazer alguma publicidade e avisar a todos que tinham algum merchandising à venda na entrada da sala. "Temos T-Shirts lá fora para vocês comprarem, se nos quiserem ajudar com as despesas… A pagar a gota, vá! E são bem giras, por sinal… Para quem vê bem, vai achar que são giras, quem não vê, se calhar já não acha o mesmo… Mas não interessa! Passem lá fora e comprem!".
Com "Quinta-Feira", o tema mais conhecido e com mais sucesso da banda, a loucura instalou-se. Ninguém ficou sentado nas confortáveis cadeiras da Aula Magna e juntou-se à alegria da banda, saltando e cantando, fazendo a festa na mítica sala lisboeta e abrindo o caminho para Os Pontos Negros, que iriam tocar logo a seguir.

De Norte para Sul, agora é a vez d’Os Pontos Negros entrarem em palco. Diretamente de Queluz, a banda composta por Jónatas, David, Filipe e Silas, veio apresentar alguns temas do seu novo trabalho "Soba Lobi". Após o fim da primeira música, dá-se a altura das saudações e dos recados ao público, com o vocalista – Jónatas, a dizer a todo que "é uma falta de respeito vocês estarem todos sentados! Queremos toda a gente de pé!", obrigando os presentes (quase todos) a levantarem o corpo das cadeiras onde descansavam e ouviam o concerto batendo com o pé no chão e abanando a cabeça.
Música a música, alguns desistentes voltaram a apostar no conforto e adotar uma postura mais torta, sentados nas poltronas da sala; Jónatas volta a intervir, dizendo "continuo a ver muita gente sentada… Eu sei que vocês pagaram para desfrutar dessas cadeiras mas isto é um concerto de rock!" deixando, por fim, toda a gente sem outra opção que não ficar de pé e curtir como um concerto de rock deve ser curtido.
Já a propósito do novo álbum, que saiu recentemente com o apoio da Optimus Discos, Os Pontos Negros da música portuguesa aproveitaram para ironizar uma situação acerca da partilha gratuita do disco. "Temos o nosso novo álbum disponível para download gratuito no Optimus Discos… No entanto, alguém achou por bem que isso não era suficiente e fez questão de disponibilizar o álbum para download por torrents…!".
Ainda a meio íamos, quando se tocou "Conto de Fadas de Sintra a Lisboa", um dos primeiros e mais bem sucedidos temas da banda, pelo qual ficaram conhecidos no panorama musical português. De 20 longas músicas se fez o último concerto do segundo dia do Talkfest, acabando em beleza um dia que prometia muito mas não muita adesão teve.

PAUS @ AULA MAGNA
Três dias de conferências, debates e masterclasses. Três dias de concertos. Já tínhamos ouvido oito das nove bandas portuguesas que vieram aquecer a semana fria na lisboeta Aula Magna. No dia da mulher, e com uma casa a meio gás (com a maior afluência dos três dias de concertos), eis que temos PAUS em palco para nos assoberbar com o rock duro e progressivo a que tão bem já nos habituaram.
Sem grandes apresentações e com poucas palavras durante quase todo o concerto, Joaquim Albergaria, Hélio Morais, Fábio Jevelim e Makoto Yagyu, (com caras bem conhecidas de outros trabalhos no mundo da música – Joaquim Albergaria dos Vicious Five e Hélio Morais dos Linda Martini) começaram sem medos e usaram e abusaram de um público que de tudo fez para estar presente no primeiro concerto que a banda deu na Aula Magna, como Joaquim Albergaria fez questão de informar, quando no intervalo de uma música e num momento de interação com o público, perguntou a todos como estavam, se deram beijinhos, carinhos, linguados ou se alguém engravidou. "Hoje era um bom dia para engravidarem", acrescenta, "para dizerem ao vosso filho que foi feito no dia de um concerto muito especial; no dia em que os PAUS tocaram pela primeira vez na Aula Magna, numa noite mágica!", arrancando ovações, calmas e gritos efusivos de todos os presentes.
Eis que, sem nada o fazer prever, PAUS, com a sua irreverência e robustez rítmica, pedem ao público para subirem até ao palco, para que aquela se tornasse numa noite ainda mais especial do que já o é. Pedido atendido, e aos poucos, o palco passou a ser mais do público do que da banda propriamente dita. Rodeando os músicos por todos os lados, os fãs, ora jovens, ora mais velhos, de tudo quanto era variedade, fizeram a festa envoltos em jogos de luzes brutais, de vários cores e feitios, de intensidades díspares e velocidades múltiplas.
Num ambiente familiar e de cumplicidade, várias eram as meninas e mulheres que nas mãos tinham uma flor, gerberas para ser mais específico, alusivo ao dia da mulher que tanto foi falado durante os concertos e as conferências do dia de ontem.
Sem dúvida não havia forma melhor de festejar um dia tão especial, nem de acabar a ronda de concertos e festivais inseridos na fantástica iniciativa do Talkfest para promover e discutir o rumo dos festivais e da música em geral em Portugal.
Para o ano, lá estaremos novamente, sempre a favor da música, sempre a apoiar o que de bom se faz em Portugal.

Fotos: João Paulo Wadhoomall
Texto: Marta Ribeiro