Super Bock Super Rock: dia 3 (16/07), com Kendrick Lamar, De La Soul e Orelha Negra


Super Bock Super Rock: dia 3 (16/07), com Kendrick Lamar, De La Soul e Orelha Negra

Casa cheia para o triunfo do hip hop nacional e internacional, de Slow J a Kendrick Lamar.

Num festival ainda à procura de nova identidade depois de uma mudança de local e, consequente grande aposta no cartaz do ano passado, o último dia deste 22º Super Bock Super Rock parece ter apontado o caminho. Depois de resolvidos alguns pequenos problemas de aproveitamento do espaço (que ainda persistem) a questão essencial é que define o sucesso ou insucesso todos os festivais e por aqui ainda se notam várias dúvidas sobre o caminho a seguir.

Em 2015, um cartaz fortíssimo no palco principal e várias apostas certas no palco EDP mostravam que o SBSR poderia seguir no caminho de um festival generalista de média dimensão (pois o espaço não permite mais) mas a concorrer com os grandes. Já este ano os primeiros dois dias foram bastante confusos no objetivo de decifrar o posicionamento em termos de programação e público-alvo: palco principal com headliners diversos e nem todos de primeira linha, palco EDP fraquíssimo e sem uma identidade vincada e as surpresas a virem quase todas do palco Antena 3 e da vitalidade da música nacional.

Se se notava alguma apatia por parte do público, talvez as bandas presentes fossem as erradas não por fraca qualidade, mas por desadequação a um público maioritariamente muito jovem e bastante mais variado para as modas atuais do hip hop e r&b que extravasam já a América do Norte e começam a conquistar a Europa. Ora, sendo um festival de média dimensão (de capacidade até abaixo de um MEO Marés Vivas, NOS Primavera Sound ou Vodafone Paredes de Coura), o SBSR terá também de se especializar e encontrar um público-alvo que ajude a definir a sua programação.

Este último dia talvez apresente uma solução ao mostrar que a aposta em bandas de qualidade duvidosa e fora do espírito da restante programação do dia não será a correta.

Veja-se o exemplo do trio de madrilenos The Parrots, adeptos do punk das 2 notas musicais e dos gritos para o microfone que não atraíram mais de algumas dúzias de pessoas ou de uns Fidlar que apesar de estarem uns furos acima (começaram com uma cover de "Sabotage" dos Beastie Boys e cantaram sobre beber cerveja e andar de skate), não mostraram mais do que serem uns The Hives mais abandalhados.

Fidlar

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Até os nossos GNR, com 35 anos de carreiras foram atirados para este dia, onde apenas contaram com algum público para a comemoração dos 30 anos de Psicopátria (um dos seus discos mais icónicos). Foi penoso ver Rui Reininho e a sua banda a "encher chouriços", enquanto não começava o concerto mais esperado do dia, para os poucos que os preferiram a um jantar, um copo ou mais um brinde. Ainda assim, depois de revisitar Psicopátria puderam se ouvir "Video Maria", "Las Vagas" (ou não estivéssemos perto do casino) ou "Cadeira Elétrica" (do álbum Caixa Negra do ano passado).

GNR

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Tudo o resto se enquadrou "que nem ginjas" neste dia mais feliz do 22º SBSR. O início do palco Antena 3 encheu para um dos nomes mais promissores do hip hop nacional. O setubalense Slow J, com um DJ e o omnipresente Fred Ferreira, mostrou a sua pose descontraída e rimas talentosas onde ainda acrescentou versões de Zeca Afonso a Amor Eletro.

No Palco EDP, nem tudo foram apostas falhadas pois tanto a norte-americana Kelela, dona de um timbre vocal distintivo e sons que andam entre o grime, a soul e o r&b, como a já consagrada (apesar dos poucos anos de carreira) Capicua cativaram consideráveis audiências e animação. A rapper portuense, também evocou Zeca e teve mesmo várias convidadas (Blaya, NSekt, Blink e TVone) para "Maria Capaz". Acompanhada por desenho em tempo real, o DJ D-One e a sua inseparável M7 (ou Beatriz Gosta no mundo virtual), não faltaram as rimas de forte mensagem social e a celebratória "Vayorken".

Kelela

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Capicua

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No Palco Antena 3, algo ligeiramente diferente (embora não desenquadrado nesta noite de música negra), isto é, a homenagem de Moullinex e convidados a Prince com a sua Purple Experience. Depois de já ter revisitado Star Wars num formato semelhante, Luís Clara Gomes formou uma banda de suporte (onde se ocupou do baixo) para homenagear um dos maiores vultos da pop. Depois de um início com "Most Beautiful Girl in the World" (ainda a cargo da banda residente), ouvimos Da Chick em "I Wanna Be Your Lover" e "Controversy", Ghettoven a recriar "Get Off" com direito a camisola de folhos purple, Samuel Úria a assassinar "Kiss" com um falsete inventado ali na hora, e ainda os "mais qualificados" Best Youth em "Musicology" ou Selma Uamusse em "I Feel for You".

Mas os caminhos davam todos para a MEO Arena, onde o primeiro concerto da noite dos portugueses Orelha Negra já atraía um público bastante considerável (em número próximo de alguns headliners dos dias anteriores). Ainda por trás de uma cortina onde apenas se vislumbravam as silhuetas em linha de Cruzfader, Sam the Kid, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes, os primeiros acordes são de alguns temas mais recentes. A partir daí, e já com direito a bolas de espelhos, testemunhamos a essência dos Orelha Negra em aproveitar, e reconstruir através do sampling, as raízes do hip hop do passado e do presente. De Onyx, Wu-Tang Clan e Drake a Mind Da Gap ou Valete, todos os grooves soam a novos! Quase para o final ficava guardado o novo single "Parte de Mim", ainda sem Boss AC ou Ace que participam no videoclip.

Orelha Negra

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O público começava a ficar impaciente, e nada melhor do que os De La Soul para começara a aquecer as gargantas e exercitar pernas e braços para os saltos que se adivinhavam. Autores de "3 Feet High and Rising" (classificado como obra-prima do hip hop, mas já com quase 30 anos) os De La Soul não precisam de muito para encarnarem a sua faceta de animadores pois não têm cenários, luzes ou vídeo. Têm apenas um DJ, samples ou skits engraçados e o dom da palavra. Longe dos pioneiros que juntavam jazz ao hip hop mais alternativo conseguem, no entanto, colocar uma arena quase cheia a saltar apenas as palavras "jump" ou "put your hands in the air". A maior parte daquela plateia não seria ainda nascida nos seus tempos mais áureos, mas também ninguém aqui se importou. "Me, Myself and I" ou "Ring Ring Ring" ainda faz lembrar algo e "Feel Good Inc.", feito a meias com os Gorillaz já lhes diz qualquer coisa.

De La Soul

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Mas, ao ver a MEO Arena cheia e a saltar do início ao fim do concerto, ninguém duvidou: todos queriam ver Kendrick Lamar (até Renato Sanches "postava" fotos no Instagram com o rapper californiano). Furacão, apoteótico ou inesquecível foram as palavras mais ouvidas do concerto de um dos nomes mais reconhecidos do rap atual. Vencedor de 2 Grammy Awards (batendo Kanye West, Drake ou Eminem) é hoje em dia o rei do hip hop e o ídolo da geração mais nova que, cada vez mais prefere este estilo musical. Desde o arranque com "untitled 07", "Backseat Freestlyle" ou "Swimming Pools", que Kendrick (ou K-Dot) e a sua banda de bateria, baixo guitarra e teclados (com pedem as raízes funk) mostram ao que vêm. A frase "Look both ways before you cross my mind" do ícone do funk George Clinton, demonstra quem Kendrick homenageia com a sua música. Apesar de ter como ídolos os bad boys da West Coast como Dr. Dre ou Notorious B.I.G., é ao funk e ao free jazz que a música por trás das rimas vai beber as suas influências.

Kendrick Lamar

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Por entre os muitos "motherfuckas", "bitches" e outro léxico habitual, "For Sale", "Hood Politics" e "Complexion", retirados do ultimo álbum To Pimp a Butterfly encaminham o público para "Bitch Don’t Kill My Vibe", "m.A.A.d city" do anterior good kid, m.A.A.d city. E é já depois de "Kid Kunta" que Kendrick pára durante vários minutos, num orgulho hedonista, para sentir os gritos histéricos da multidão que tanto elevam este artista ao Olímpo como depressa se transformam em "e foi o Éder que os…" (já considerado o cântico do festival!). Será que o discurso político das rimas faz algum sentido para aquele público ou é quase indiferente o significado das palavras?

"i", o hit do último álbum encaminha para o final com "For Free" dedicada a uma "miúda da plateia". Depois de uma rápida saída de palco o encore é feito com o hino "Alright" e o profeta abandona a sala sob aplausos.

O sermão está dado! Mas será que ficou algo na cabeça? Ou o discurso político, social e racial cai em saco roto como acontece desde os anos 60/70? Não há dúvida que Kendrick Lamar dá um espetáculo poderoso e arrasta, hoje em dia multidões, mas onde está a novidade apregoada pelos acólitos da cultura hip hop? Não estará ele a repetir uma fórmula já usada pelos seus ídolos há 20/30 anos?

Resumindo: é de festa que o povo gosta!

Equipa Noite e Música Magazine no Super Bock Super Rock
Fotos: Vítor Barros
Textos: Miguel Lopes
Edição: Daniela Fonseca