Daniela Mercury @ Coliseu dos Recreios: a Pérola Negra mais branca da Baía


A primavera já chegou e o carnaval já passou mas Lisboa prometia muito calor para dar à diva brasileira, Daniela Mercury. De volta aos Coliseus depois do adiamento anunciado em novembro  de 2012, a cantora encheu a sala de espetáculos de Lisboa, com bandeiras das suas duas nacionalidades e com convidados especiais.

O palco abre em tons de azul, com o trio de percussão a fazer as honras da casa e a chamar os quatro maravilhosos bailarinos vestidos de branco. Ritmos do Brasil abrem uma pista de dança baiana, onde o samba se mistura com influências africanas. Uma voz inconfundível, intensa e encorpada, lança-se ao microfone para cantar "Benção" e o público balança o corpo, quer seja sentado ou até fora do tempo. As palmas comandam a coreografia e Daniela veste a pele de furacão, melhor que ninguém.

"Preta", de Canibália, embala o uníssono que o Coliseu toca em resposta ao que vinha do palco, "Quero essa Lisboa sambando". O show continua com "O mais belo/Por amor" com uma energia que não podia fazer as filas da frente saltar mais alto. A negrinha mais branquinha da Baía, personifica toda a alegria, altivez e celebração da comunidade brasileira – quem disse que este é um povo feliz, sabia bem do que falava.

De pés descalços e dançantes, na alcatifa azul, salta do alinhamento "Ilé Pérola Negra", do quinto álbum de originais "Sol da Liberdade", um tema cantado do inicio ao fim, com a força e voz do português do Brasil. Num vestido preto, de cauda franzida e pernas morenas, Mercury é a pérola do concerto. "Ela nasceu em Portugal e viajou até ao Brasil…me ensinou a por todas as peças de baiana…", nesta altura transpirava-se entusiasmo, tiravam-se os casacos e apanhava-se o cabelo, numa preparação para o hino de Carmen Miranda, "O que é que a baihana tem". Enquanto uns acompanhavam a cantiga, outro viam com atenção as imagens projetadas, daquela que foi a percursora do Tropicalismo e toda a sua influência cultural nos anos 60.

"Sol do Sul", um slow com nuances de reggae, antecedeu a entrada do primeiro convidado, “Sabe dançar samba e até o mistura com salsa…vem cá Luís Represas". O trovador e homem da guitarra, entra em palco num pézinho de dança, prestes a cantar "Minas com Bahia" lado-a-lado com o Brasil inteiro. Represas foi recebido com um caloroso gritar de emoções e confessou a saudade que tinha da presença de Daniela. A guitarra não tardou a chegar e o maestro Represas conduz a letra de "Foi como foi". "Vai Daniela", foi o incentivo que bastou à cantora para pôr o nosso português a dançar um forró, na despedida.

Eis que a presença de maior importância chega ao palco – uma guitarra portuguesa, pronta para dar os primeiros acordes de "Nobre Vagabundo" e trazer lágrimas de alegria aos rostos presentes. Sorrateiro, aparece Camané "Beija Flor" – alcunha carinhosa que Mercury lhe atribuiu – para comemorar o talento de dois povos, numa só canção. Depois, o fado e todo o seu esplendor, deixou o saudosismo em casa e declarou-se a Daniela, de mãos dadas. Camané canta o seu forte e a última nota de "Sei de um Rio", arranca um "à fadista!" coletivo. "Sonho possível" trouxe lágrimas de alegria e aplausos ao "Beija Flor" do nosso património musical.

Seguiu-se "Rede", que devolveu o alto astral ao espetáculo e consigo, veio uma artista de vestido dourado até aos pés – Teresa Salgueiro, a eterna voz dos Madredeus. A única mulher convidada por Daniela, cantou um dos clássicos de bossa-nova, o "Corcovado" lindo, de Tom Jobim. "Sua voz é uma bênção" diz Daniela, num humilde elogio para a interprete portuguesa. "Este é o nosso olhar sobre o mundo e a poesia que conseguimos agarrar", apresenta-nos a "Lisboa", cantada numa simbiose perfeita entre duas vozes tão (aparentemente) distintas. Preparem-se os corações mais sensíveis porque o que aí vem é doce como goiaba e arde como fogo. "Á primeira vista", do disco mais querido da cantora – "Feijão com Arroz" – marcou o momento em que a voz de Teresa Salgueiro, despiu a alma dos presentes e deu-lhes calor, no timbre a que sempre os habituou.

"Mais que nada/Avisa lá/Que bloco" fundiu três temas, sendo que o primeiro (original "Mas que nada", 1963, de Jorge Benjor) guiou as tropas até "Couché", tocado com o quarto convidado, a dupla Batida. O novo tema, que fez sucesso no carnaval, contou com o "swing, esse swing tão bom que é absurdo". E o público tinha todos ensinamentos da música popular brasileira, na cabeça.

Bailarinos de saias baianas e Daniela numa tempestade de paixão dançam "Alegria", "Oya por nós" e "Swing", com uma performance que faz esquecer o cansaço de mais de 2horas decorridas e termina numa sorridente "obrigada, Lisboa".

Com o repertório que Mercury tem, seria de prever o seu regresso ao palco e pouco foram aqueles que arredaram pé do recinto. Desta vez, acompanhada pelos quatro magníficos, a cantora consegue o que nunca vimos antes: Camané a sambar! Mais apropriada não podia ser a canção "Dona Canô", uma ode à mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, para esta festa sem fim, onde nem o bailinho e o folclore faltaram.

"Rapunzel" foi uma bomba de loucura, o ponto alto da noite, com a multidão a dançar bem juntinha. As pernas doíam e o corpo suava mas "Maimbe" não deixou que, os mais velhos, se sentassem de novo. O público canta para a Raínha do Axé, um título que recebeu no passado e cujo trono nunca irá perder, em "Canto da Cidade". O ritmo manteve-se até ao apagar das luzes e na saída do Coliseu, ainda se entoava o que só Daniela Mercury sabe cantar.

Lisboa é, mais do que nunca, uma cidade de amor e esta noite, será o Grande Porto a receber a "Madonna do Brasil".

Alinhamento:
Intro
Benção
Preta
O mais belo/Por amor
Ilé Pérola Negra
O que é que a baihana tem
Sol do Sul
Minas com Bahia
Foi como foi
Nobre Vagabundo
Sei de um rio
Sonho Possível
Rede
Corcovado
Lisboa
À Primeira Vista
Mais que nada/Avisa lá/Que bloco
Couché
Alegria
Oya por nós
Swing
Encore:
Dona Canô/Um Cantinho
Rapunzel
Maimbé
Canto da Cidade

Fotos: João Paulo Wadhoomall
Texto: Sara Fidalgo